A presente bibliografia sobre a recepção de Aby Warburg no Brasil atualiza as produções precedentes, publicadas na Engramma 199 e Engramma 165 por mim e Cássio Fernandes, respectivamente. Não se pretende aqui uma lista exaustiva da produção recente — como de praxe, algumas intervenções escapam até mesmo ao compilador mais meticuloso — e evitamos adicionar textos menores (e.g., publicações em anais de congresso), produção audiovisual, ou artigos que não tratam diretamente de Aby Warburg, de modo que não incluí, por exemplo, a minha recente introdução à edição brasileira de Arte e anarquia. Feitas essas ressalvas, esse compilado dos livros e artigos sobre Aby Warburg publicados no Brasil entre 2023 e 2025 dá a vista um panorama geral da recepção do pensamento warburguiano em termos da consolidação de tendências preexistentes e do surgimento de novas e promissoras frentes de investigação.
Em primeiro lugar, é possível observar o uso continuado de certos topoi clássicos de Warburg — caso de Pathosformel, Nachleben e o Atlas Mnemosyme — em relação a uma gama diversificada de objetos para além das fronteiras tradicionais da história da arte. Vemos, portanto, análises ousadas, caso da investigação do Pathosformel do rapto por Wedekin e Araujo (Wedekin, Araujo 2023), ou dedicadas a uma categoria estilística, como o fizeram Makowiecky e Wedekin (Makowiecky, Wedekin 2023) em relação ao grotesco na prancha 32 do Atlas. Igualmente importante, vê-se a continuidade da investigação de diálogos intelectuais, seja com a psicanálise freudiana (Rubin 2023), o pensamento nietzscheano (Neto 2024b) e até mesmo com a literatura portuguesa, caso do audacioso projeto encampado por Barros (Barros 2023) de buscar paralelos entre a poética da alteridade de Fernando Pessoa e as pesquisas warburguianas.
O Atlas Mnemosyne permanece um objeto de fascínio para os estudiosos brasileiros, que parecem sobretudo enxergar em seu caráter de inacabado interstícios donde andar em diante com uma “ciência das imagens”. Muitos dos artigos publicados nos últimos três anos lidam com o Alas. Por exemplo, Duarte (2023) o contrasta com a prática artística de Gerhard Richter; Neto (2024b) comenta sua produção e método; ou a microanálise de uma de suas pranchas por Makowiecky e Wedekin (Makowiecky, Wedekin 2023). Esse intenso interesse no Atlas está intimamente ligado aos escritos inescapáveis de George Didi-Huberman, que permanece o exegeta primário do pensamento warburguiano frente ao público leitor brasileiro — sua ênfase em “sobrevivências fantasmagóricas”, anacronismo artístico, e potencial político da história da arte concebida lato sensu são eixos norteadores de muitos dos trabalhos citados. A relação entre os dois autores é fruto de minuciosos artigos de revisão historiográfica por Pugliese (Pugliese 2024) e Campos (Campos 2025). Dado que o filósofo francês foi assiduamente vertido em português, vale aqui também ressaltar o contínuo trabalho de tradução de certos textos fundamentais do pensador hamburguês e sua fortuna crítica warburguiana, caso da tradução de Neto do texto de Warburg sobre Cassirer (Warburg [1927] 2023) ou do artigo de Andrea Pinotti por Damas (Pinotti 2023).
Não obstante a variedade de abordagens, o déficit pós- ou decolonial apontado na última revisão bibliográfica persiste. A grande maioria dos trabalhos continua a operar dentro do cânone da arte e historiografia da arte ocidental, fazendo uso do pensamento de Warburg sem ampliar a lente crítica para suas próprias correntes de transmissão. Neste contexto, a exceção se torna fundamental. O artigo de Priscila Risi Pereira Barreto (Barreto 2023a) — O que Oraibi deu à Aby Warburg? E o que ganha a América? — é precisamente o tipo de investigação necessária para preencher essa lacuna. Ao colocar no centro a experiência de Warburg com os indígenas Hopi de Oraibi, Barreto inverte a perspectiva colonial: não se trata apenas do que o erudito europeu viu ou interpretou, mas do que ele recebeu e de como essa experiência pode ser mobilizada para pensar criticamente as Américas. A existência deste artigo, porém isolado, é sintomática: aponta tanto para a possibilidade quanto para a raridade de uma apropriação crítica e descentralizadora do legado warburguiano.
Referencias bibliográficas
2023
- Barreto 2023a
P.R.P. Barreto, O que Oraibi deu à Aby Warburg? E o que ganha a América?, “Imagem: Revista de História da Arte” 2,2 (2023), 107-126. - Barreto 2023b
P.R.P. Barreto, Iconografia, iconologia, e ciência da cultura em Aby Warburg, in A. Brandão, J.G.C. Grillo, C. Fernandes (eds.), A tradição clássica e seu legado: permanências, transformações, e recepções, Brasília 2023, 159-169. - Barros 2023
A. Barros, Dramas de Almas: os outramentos entre a poética de Fernando Pessoa e as pesquisas de Aby Warburg, “Revista Graphos” 1, 25 (2023) 196-224. - D’Angelo, Macini 2023
B. D’Angelo, T. Macini, A serpente e os “fantasmas”. Algumas observações sobre a imagem a partir de Aby Warburg, “Cuadernos del Centro de Estudios en Diseño y Comunicación. Ensayos” 186 (2023), 19-31. - D’Antona 2023
R. D’Antona, Como orientar-se em Warburg?, in A. Brandão, J.G.C. Grillo, C. Fernandes (eds.), A tradição clássica e seu legado: permanências, transformações, e recepções, Brasília 2023, 170-181. - Duarte 2023
M.M. Duarte, O atlas como ciência das imagens: História da arte e história da cultura em Gerhard Richter e Aby Warburg, “Quintana: Revista do Departamento de História da Arte” 22 (2023), 1-23. - Gaglianone 2023
I. Gaglianone, De Darwin, por Carlyle, até à Ninfa, “Imagem: Revista de História da Arte” 2,3 (2023), 196-220. - Makowiecky, Wedekin 2023
S. Makowiecky, L.M. Wedekin, O grotesco na Prancha 32 do Atlas Mnemosyne, “Palíndromo” 36,15 (2023), 1-33. - Pinotti 2023
A. Pinotti, Arqueologia das Imagens e Lógica Retrospectiva: Nota sobre o “Manetismo” de Warburg, tr. port. N.R. Damas, “Imagem: Revista de História da Arte” 2,2 (2023), 417-458. - Rubin 2023
C.E. Rubin, Warburg e Freud: o Atlas Mnemosyne está estruturado como um sonho, in J. Fachini, G.A. de Lima (eds.), Filosofia, Psicanálise, & Contemporaneidade, vol. 3, Porto Alegre 2023, 39-59. - Warburg [1927] 2023
A. Warburg, Porqe Hamburgo não deve perder o filósofo Cassirer, tr. port. S. Vieira Neto, “Imagem: Revista de História da Arte” 2,2 (2023), 406-416. - Wedekin, Araujo 2023
L.M. Wedekin, G.C. Araujo, Pathosformel do rapto: um percurso pelas imagens de assédio feminino na arte ocidental, “Visualidades” 21 (2023), 1-18.
2024
- da Costa, Rozestraten, Velloso 2024
A.C.R.F da Costa, A.S. Rozestraten, L.M.R. Velloso, Narrar espaços por constelações de imagens: metáfora warburguiana aplicada à web: uma proposta de interface web para a compreensão do ambiente a partir da metáfora Warburguiana, “Revista de Arquitectura” 47,29 (2024), 70-92. - Neto 2024a
S.A.V. Neto, Aby Warburg e a dimensão comunicativa da imagem: ensaios críticos e três inéditos, “ARJ–Art Research Journal: Revista de Pesquisa em Artes” 1,11 (2024). - Neto 2024b
S.A.V. Neto, “Receptores das ondas mnêmicas”: Aby Warburg como leitor de Nietzsche, “Palíndromo” 39,16 (junho – setembro 2024), 1-30. - Pugliese 2024
V. Pugliese, Retorno a Aby Warburg e retorno crítico na obra de Didi-Huberman, in E.D. de Oliveira, M.F.M. Couto, M. Malta (eds.), Políticas da diferença. Colaborações, cooperações e alteridades na arte, Campinas 2024, 225-256. - Schiele 2024
M. Schiele, A singularidade do drapeado ou a expressividade do ornamento em Aby Warburg, tradução e apresentação de M.I. Job, “Imagem: Revista de História da Arte” 1,4 (2024), 221-242. - Valgas 2024
P.H.T. Valgas, História da arte, fantasmas e sobrevivências: análise de um projeto de ensino para o Ensino Médio da rede pública, “Fronteiras: Revista Catarinense de História” 43 (janeiro 2024), 93-106. - Valgas, Ramos Flores 2024
P.H.T. Valgas, M.B. Ramos Flores, Olhar imagens e encontrar fantasmas: considerações sobre um projeto de ensino de história da arte, “Revista Apotheke” 2,10 (agosto 2024), 57-76. - Wedekin 2024
L.M. Wedekin, A pathosformel da agressão: do mitra tauróctono às imagens de violência racial contemporânea, “Fronteiras: Revista Catarinense de História” 43 (janeiro 2024), 30-43.
2025
- Amaro, Barreto 2025
H. Amaro, P.R.P. Barreto. Perspectivas contemporâneas sobre a história da arte: Aby Warburg e além, in M.B. Castro, M.B. Siqueira (org.), História da arte hoje: desafios e perspectivas, Rio de Janeiro 2025. - Barros 2025
A. Barros, Histórias de fantasma para gente de classe: do espectro que ronda a Saturnofobia nos tempos de Lutero e de Warburg, “Ideias” 16 (2025). - Campos 2025
D.Q. Campos, A história da arte em movimento: Aby Warburg e Georges Didi-Huberman entre imagens, tempos, montagens e borboletas, “MODOS: Revista de História da Arte” 1/9 (2025), 303-333. - Fernandes 2025
C. Fernandes (org. e intro.), Escrever as histórias da arte, São Paulo 2025. - Matos, de Almeida Neto 2025
A.S.M.C. Matos, A.L. de Almeida Neto, A in-disciplina do pensamento: trinta anos de espanto, “(Des) troços: revista de pensamento radical” 1,6 (2025). - da Silva Oliveira 2025
C.M. da Silva Oliveira, História Cultural e Arte: do flerte inocente à relação estável (Warburg e Benjamin), “Revista Maracanan” 38 (janeiro – abril 2025), 1-17. - Viana, Nóbrega 2025
A.C. Viana, T.P. da Nóbrega, Corpo e imagem na obra coreográfica: entrelaçamentos entre Merleau-Ponty e Aby Warburg na pesquisa fenomenológica, “Educação e Pesquisa” 51 (2025).
English abstract
This bibliography update by Ianick Takaes compiles recent Portuguese-language books and articles on Aby Warburg that were published in Brazil between 2023 and 2025. It updates the listings in earlier issues of Engramma (199 and 165). The selection is intentionally non-exhaustive, omitting conference proceedings, audiovisual material and texts that do not directly address Warburg.
keywords | Aby Warburg; Brazil; Atlas Mnemosyne; Gerhard Richter; Ernst Cassirer; Georges Didi-Huberman.
Per citare questo articolo / To cite this article: I. Takaes, Estudos warburguianos no Brasil (2023-2025), “La Rivista di Engramma” 227 (settembre 2025).